… ainda se consegue ver a lua mas o trânsito quase que parou.
O silêncio é interrompido pela obras de um prédio que teima em querer nascer em tempos de cólera. A economia não pode parar. As janelas, em volta das minhas, antes fechadas, estão escancaradas. Todo o dia. Há barulho. Há pessoas. Há vida. Há roupa estendida que dança com o vento que nos vem lembrar que já é primavera.
Alguém fala, entre andares, no parapeito, que bateu à porta e ninguém atendeu.
– Dona Sara estive aí agora. Não abriu a porta porquê?
– Não ouvi, desculpe.
– Então abra lá que tenho aqui coisas para si e vou aí agora.
Em 6 anos que estou nesta casa e nunca tinha percebido que aquela senhora se chamava Sara e confesso que também nunca tinha visto ninguém a falar assim, à janela.
Do outro lado, um trabalhador acaba de pintar uma loja (ou que vai ser algo do género daqui a uns dias). Sozinho. De vez em quando olha em volta e os olhos dele encontram os meus, que estão na varanda de trás, a tratar de roupa. Não tem música, não canta; nisso, ganhei eu.
Duas pessoas retiram uma máquina de costura de uma das lojas, o trabalho em casa assim o obriga. É preciso deixar o óbvio e procurar o lógico.
Na minha rua há cães. Ou talvez haja donos que passeiam os cães mais que o habitual, para lá do aceitável.
Na minha rua há silêncio. Há ajuda. Há atenção. Há pessoas. Há amor. Há alegria. Há esperança. Há respeito. Há recato. Há uma vista fantástica. E estamos bem assim. Até ver (ainda) ninguém enlouqueceu.