– Quais os desafios para os nutricionistas ao lidar com a doença oncológica em ambiente hospitalar?
Os desafios dos profissionais de nutrição passam por prevenir ou minimizar o declínio do estado nutricional imposto pela doença, bem como desmistificar os ideais criados pelos doentes em relação à alimentação, através de acompanhamento nutricional individualizado. Relativamente ao estado nutricional, é muito frequente a presença de desnutrição em doentes oncológicos. Cerca de 40% a 80% dos destes doentes estão desnutridos, aproximadamente 70% apresentam dificuldades para se alimentar, mais de metade necessita de aconselhamento nutricional para controlar os sintomas que interferem com a ingestao alimentar e 30% necessitam de suplementos nutricionais. Deste modo, é importante o acompanhamento de um profissional de nutrição de modo a otimizar o estado nutricioinal do doente oncológico e contribuir para o bom prognóstico da doença.
– E como se processa o trabalho em equipa? É efetivamente multidisciplinar?
O trabalho em equipa contribui, acima de tudo, para uma melhor assistência ao doente. Com excesso de informação com que nos deparamos atualmente, a seleção de informação credível torna-se bastante difícil para o doente. É através de uma equipa multidisciplinar que este tem acesso a uma comunicação fundamentada cientificamente, clara e objetiva, com linguagem acessível, contextualizada e sem sensacionalismos. A intervenção nutricional deve ser integrada numa equipa multidisciplinar, de modo a que todas as particularidades, necessidades e implicações dos tratamentos possam ser conhecidas
por todos os profissionais de saúde.
– Há procedimentos ou guidelines definidos neste âmbito?
O acompanhamento nutricional do doente oncológico deve ser individualizado e personalizado de acordo com a sua situação específica: o tipo de cancro, o estadio, as comorbilidades associadas e o tipo de tratamentos são critérios fundamentais a considerar quando se estabelecem as necessidades nutricionais de cada doente, bem como o seu plano nutricional. Para além de todas as particularidades referidas, é importante ter em conta uma série de outros fatores: alterações do apetite, sintomatologia gastrointestinal, alergias ou intolerâncias alimentares, parâmetros analíticos, dificuldade de mastigação e/ou deglutição, hábitos e preferências alimentares do doente, compreender o seu contexto familiar e a autonomia, mobilidade e disponibilidade do doente para realizar as refeições. As necessidades nutricionais do doente oncológico variam consoante a localização localização do tumor, da atividade da doença, da presença de má absorção intestinal e da necessidade de ganho de peso ou anabolismo. Este cálculo pode ser feito a partir da Equação de Harris Benedict, tendo em conta o metabolismo basal do doente, o fator de atividade, fator térmico e fator de stress, que no caso de neoplasia varia entre 1,1 e 1,45 ou seguindo as guidelines definidas pelo Consenso Nacional de Nutrição Oncológica – 2016 (Brasil) ou pela Sociedade Europeia de Nutrição Entérica Parentérica (ESPEN 2016), que também têm em conta a idade, tipo de tratamento e estado nutricional do doente.
– Quais as diferentes fases por que passam estes doentes a nível nutricional, e as necessidades em cada uma delas?
No decorrer dos tratamentos oncológicos, é muito frequente a ocorrência de alterações que podem, de algum modo, comprometer a ingestão alimentar e a manutenção de um bom estado nutricional. Alterações a nível do paladar e olfacto, náuseas, vómitos e diminuição do apetite, disfagia, xerostomia e alterações a nível intestinal como diarreia e obstipação são condições frequentes no doente oncológico. Como parte integrante da abordagem no cancro, a nutrição tem um papel fundamental no alívio destes sintomas, bem como na prevenção das consequências advindas.
– O que está bem e o que poderia ser melhorado nos hospitais para receber estes doentes?
Penso que existe cada vez mais uma multidisciplinariedade onde o papel da nutrição e do nutricionista tem sido cada vez mais valorizada e enfatizada. Contudo, este ainda não é o panorama ideal. Faltam Nutricionistas nos vários locais e contextos que atuam na promoção da saúde, prevenção e tratamento da doença. Penso ainda que, seria importante o encaminhamento direto a consulta de nutrição após diagnóstico e estabelecimento do tipo de tratamento, de modo a realizar uma identificação de risco nutricional precoce e assim evitar uma deteriorização do estado nutricional no futuro.