Custa-me dar notícias com as quais já convivi: a morte de alguém, o desespero em alguma situação ou… a fome. Uma das notícias de hoje, que transitou de ontem, revelava que 11 por cento dos alunos inquiridos num estudo admitiam ir para a cama ou para a escola com fome, às vezes (7,2%) ou frequentemente e sempre (3,8%). Na última vez que tinha sido questionados, em 2014, responderam que frequentemente 1,5%. O que mudou? Não sabemos. Será normal isto acontecer? Há pessoas a passar mal, muito mal, ao nosso lado, na porta ao lado da nossa, a partilhar a nossa secretária, às vezes.
Em 2002, quando entrei para a licenciatura fui viver para uma residência de estudantes. Eramos imensos, divididos por alas masculina e feminina e por pisos, em cada piso ficavam 20 pessoas, 2 por quarto. O frigorífico dava para as mesmas pessoas, meia prateleira tinha de dar para 2 e toda a gente tinha acesso a ele. Um dia começamos a notar que faltavam iogurtes e outros bens alimentares. Ficamos intrigadas, claro, mas depois percebemos que era uma questão de… fome. Essa fome vinha das mesmas pessoas para quem uma senha de almoço significava 2 refeições, divididas e acondicionadas até ao fim do dia. Acreditem que custava muito ver isto. O meu dinheiro também era contado mas nunca precisei chegar aqui. E custava também a estas pessoas, que sabiam que nós percebíamos e tinham vergonha. A vergonha é dos piores sentimentos que podemos carregar, qualquer que seja o motivo. Não nos deixa sorrir nem viver. Eles mal viviam e pouco sorriam. Estudavam muito e aproveitavam cada investimento que os pais estavam a fazer, alguns eram de muito longe.
Nunca me vou esquecer destas realidades.
E o que me custa mais é que, provavelmente, a realidade não mudou.