Passei muito tempo com os meus avós maternos.
Quando eu era pequenina era assim que se fazia quando os pais não podiam estar sempre connosco. Depois mudou tudo e agora os netos já vão para casa dos avós, outra vez. E que bom que é, imagino. Os meus avós maternos já não estão fisicamente comigo mas sinto-os cá todos os dias. O meu avô Henrique era só a melhor pessoa do mundo. Ainda não tínhamos chegado perto dele e já os olhos brilhavam, rasos de água. Tinha-nos um amor excepcional, uma coisa sem medida. Quando eu e a minha mãe chegávamos lá estava ele, sentado na sua cadeira de madeira, virada ao contrário, a fumar o seu cigarrinho e a ver os comboios passar. Sempre à espera de ver alguém, nos dias tão longos da velhice, que o separavam de momentos mais preenchidos, de quando era novo e fugia da minha avó para ir beber o seu copinho de vinho à taberna. O meu avô tinha os olhos doces, de uma calma que já não existe, de uma ponderação que ja não se pratica. O meu avô deu-nos, a nós netos, um exemplo de tudo: de trabalho, de força, de humanidade, de carinho e resiliência: nunca, até morrer, se queixou do que quer que fosse. A frase foi ‘Eu estou bem’… Até ao fim.
Há muito tempo que acredito que ele é a minha estrelinha lá em cima, sinto-o. E sei que os meus primos também. Um de nós herdou o seu nome.
A minha avó Esperança era igual no exemplo: mulher danada para criar os filhos e ainda tomar conta dos netos, mas menos dada aos afectos. As suas manifestações de ternura eram sob a forma de qualquer coisa: uma saia de peitilho cosida na máquina, uma travessa cheia de batatas fritas às rodelas (chefes de todos o mundo, podem tentar… nunca hão-de conseguir sabor igual), toucinho assado (idem), café na cafeteira que estava todo o dia no lume, e saquinhos de retalhos que combinava como ninguém, com a mestria de quem aprendeu a fazer pachtwork numa qualquer escola de arte, tão maravilhoso para alguém que nem sabia escrever.
Nesta altura, o nosso chá ainda não chegava a casa em saquetas, eram infusões de plantas que havia no quintal. Hoje fiz chá de lúcia lima, com as mesmas folhas. A minha casa ficou perfumada com este cheiro tão rural, tão nosso, tão distante.
Ao senti-lo, viajei. E voltei a percorrer a casa dos meus avós, a ouvir os risos dos primos, felizes, a correr pela quinta e a abrir a porta do galinheiro.
Caramba… Tenho tantas saudades deles.
Caramba!…como eu me revejo nestas palavras!
…tenho saudades do meu avô Gabriel…éramos 2 companheiros